Vanessa Cristina da Silva Sampaio

AS MULHERES E A MOBILIZAÇÃO OPERÁRIA NA GREVE GERAL DE 1985 NO DISTRITO INDUSTRIAL DE MANAUS

 

A década de 1980 foi o período de grande ascenso da classe trabalhadora em todo o Brasil. As ações da massa operária tiveram como objetivo, a construção de um projeto emancipatório, pautados na dignidade e luta por melhores condições de trabalho. Essa estratégia foi adotada por muitos trabalhadores e no Amazonas não foi diferente. Nessa perspectiva, o objeto de investigação deste breve trabalho é a greve geral no setor metalúrgico, ocorrida em 1985 no Distrito Industrial de Manaus, destacando a ampla participação das mulheres na mobilização do movimento paredista. A inserção das mulheres no processo de trabalho fabril em Manaus, pode ser pensada como uma alternativa de vislumbrar uma vida melhor, levando em consideração que muitas buscavam independência financeira e viram no ramo industrial, o mecanismo mais fácil de atingir esse objetivo. 

 

Para melhor situar o leitor, o Distrito Industrial de Manaus faz parte do modelo de Zona Franca de Manaus, dos quais priorizou o desenvolvimento industrial e agropecuário da região amazônica. Foi inaugurado em 30 de setembro de 1968, reunindo no ato o superintendente da Zona Franca de Manaus, Floriano Pacheco, e o governador do Amazonas, Danilo Duarte de Mattos Areosa. Esta data marcou também a aprovação do projeto da Beta S/A, fabricante de joias e relógios que entrou para a história como o primeiro projeto industrial aprovado para se instalar na Zona Franca de Manaus. A Beta não esperou pela inauguração do Distrito Industrial para se instalar e adquiriu um terreno na zona Centro-Sul de Manaus, onde funcionou até meados da década de 90.  O Distrito Industrial foi implantado inicialmente em uma área de 16.974.824.00 m2, situado a 5km do centro de Manaus. Na década de 1980, a Zona Franca possuía um total de 212 projetos industriais que estavam em funcionamento, oferecendo 47 mil empregos diretos. (Jornal do Comércio, 1980)

 

Em meados de 1980, a oferta de emprego no Distrito cresceu vertiginosamente. A preferência era por mulheres. Muitas delas vieram do interior do Amazonas e tinham idades entre 16 e 25 anos. Assim, era dada a predileção para a contratação de mulheres, tendo em vista que a remuneração era bem inferior ao dos homens, bem como, os postos de trabalho para os quais elas eram designadas exigiam mais habilidade manual. Geralmente eram direcionadas para as linhas de montagens. É preciso destacar que essas jovens mulheres não tinham qualquer experiência laboral, eram recrutadas pelo capital no meio rural em função do seu comportamento contido e submisso. (TORRES, 2005). Essa falta de experiência e imaturidade inerente a pouca idade, facilitou a prática de ações desrespeitosas contra essas trabalhadoras. Houve muitos casos de violência física e psicológica, abusos exercidos pelos empregadores de forma arbitrária e tirânica. Lutar contra essas arbitrariedades foi o que motivos que levaram as operárias, a se mobilizarem durante a greve geral de 1985. 

 

Para exemplificar alguns desses atos, as operárias eram obrigadas a apresentarem ainda no processo de seleção, um teste onde constavam em que elas não estavam gestantes, não se admitindo mulheres grávidas nas empresas do Distrito. Quando descobriam uma possível gestação, eram recomendadas a praticarem abordos para manterem seus empregos. Se a operária já tinha possuía filhos, essa informação era omitida no processo de seleção. Essa pauta foi amplamente discutida e denunciada nos jornais de grande circulação na época. Em denúncia ao jornal A Crítica, Ricardo Moraes, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e representante dos trabalhadores no Distrito Industrial, revelou que “através de denúncias das operárias, as indústrias adotam medidas que levam as mulheres a optar pelo aborto, visto que muitas mulheres foram demitidas ou tomaram advertência por estarem grávidas”. (Jornal A Crítica, 1985) Além disso, os próprios médicos das empresas indicavam o aborto. Ricardo Moraes ainda ressalta que a distribuição de anticoncepcionais a todas as mulheres dentro da fábrica é um indício que a ordem é que não se tenham gestantes no quadro de empregados. Um exemplo de prática arbitrária envolvendo as trabalhadoras foi a implantação do Projeto Parthfinder, um projeto cujo o objetivo foi esterilizar as operárias do Distrito Industrial de Manaus em um prazo de 12 meses, a contar de julho de 1986. Esse projeto inicialmente visava atingir 2.400 famílias. O projeto pretendia desenvolver as seguintes ações: doação de 60% de anticoncepcionais orais, 20% de aplicação de DIU, 10% de laqueaduras e 10% de outros métodos. Após muita discussão na sociedade civil e denúncia das operárias, o projeto foi abandonado pouco meses depois mediante a pressão exercida por diversas entidades e órgãos de defesa dos direitos da mulher trabalhadora. 

 

As mulheres que conseguiam ser contratadas eram constantemente assediadas pelas chefias, inclusive, sexualmente. A operária passou a ser vista como um objeto sexual que deveria ceder os caprichos de seus superiores. As que não cediam as investidas geralmente eram demitidas sem qualquer justificativa. Essa perspectiva é apresentada por Iraildes Caldas Torres, ao afirmar que as mulheres eram frequentemente rotuladas como prostitutas. A empresa se tornou um espaço de ofensas, de discriminações e de manipulação dos corpos femininos. Ademais, vale sublinhar que as mulheres exerciam longas jornadas de trabalho e recebiam remunerações muito inferiores à de trabalhadores que executavam a mesma função. Representando mais 70% de todo o operariado do Distrito Industrial, as operárias iniciaram um movimento de união sem precedentes na história do movimento operário e sindical no Amazonas em busca de melhores condições de trabalho no setor industrial de Manaus. As condutas abusivas adotadas pelas empresas foram o ponto de partida para que as operárias pudessem se unir e se organizar na luta contra a desvalorização e a cooptação dentro das empresas.

 

Na greve geral de agosto de 1985, o primeiro grande movimento grevista no Distrito Industrial de Manaus, as mulheres tiveram papel de destaque na mobilização do movimento, principalmente por atuarem nas linhas de montagem, onde a concentração de trabalhadoras era maior. As negociações da Convenção Coletiva em 1985 tiveram início em julho, se estendendo até o mês de julho. Do total de quarenta e cinco cláusulas de reivindicações, apenas trinta e duas tinham sido aceitas até o dia 31 de julho, quando as negociações foram interrompidas e a greve deflagrada para o dia 01 de agosto de 1985. Além do aumento salarial e redução da jornada de trabalho, uma das pautas inegociável que não entrou em consenso entre empregados e patrões foi a estabilidade para as gestantes e o direito a creche para os filhos menores de três anos das trabalhadoras. Durantes as negociações prevaleceram a intransigência e o rigoroso posicionamento dos empresários. Deflagrada a greve em 01 de agosto, as mulheres lideraram o comando de greve que paralisou o Distrito. Mesmo com a ampla cobertura da imprensa local, o Sindicato dos Metalúrgicos tinha a expectativa de paralisar no máximo cinco empresas, mas superando todas as estimativas, o primeiro dia de greve teve a adesão de mais de dezessete empresas, incluindo as maiores do setor, como a Moto Honda e a Gradiente. 

 

Essa ampla adesão de deveu a intensão articulação entre o sindicato e as comissões de fábrica, formada predominantemente por mulheres. O sindicato foi responsável por negociar diretamente com patrões, mas o comando de greve deu ao sustentáculo ao movimento.  É óbvio que toda essa estrutura ocorreu na clandestinidade, de modo espontâneo, mas contou o auxílio de entidades sindicais de Manaus e de fora do Estado do Amazonas. Uma dessas entidades foi a Pastoral Operária do Amazonas, responsável por assessorar os trabalhadores e trabalhadoras na tomada de consciência de seus direitos políticos e sindicais. Mediante a cursos e formações, os operários iniciavam um preparado para um possível e inevitável enfrentamento com patrões. Muitas dessas formações tiveram a participação das trabalhadoras do Distrito, dos quais repassavam o que foi aprendido a outras operárias, formando um verdadeiro exército de mulheres.  

 

No decorrer da greve, a grande massa de trabalhadores paralisados foi duramente reprimida pelo polícia. As mulheres como compunham a maioria dos grevistas também sofreu com o controle da polícia na porta das fábricas. As lideranças foram as mais perseguidas e coagidas a retornar ao trabalho, com o intuito de desmobilizar o movimento. Em uma tentativa de corromper a greve, muitas trabalhadoras à frente das comissões de fabricas receberam como proposta, cargos de chefias e promoções em um esforço de frear o avanço das adesões, crescentes desde as primeiras horas do desencadeamento da greve. Mesmo sob forte pressão, o movimento ganhou amplo apoio de outras categorias, da sociedade civil, da imprensa local e da Igreja Católica na permanência dos grevistas paralisados. Enquanto isso, as negociações entre o Sindicato dos Metalúrgicos e o Sindicato Patronal, representante dos empresários seguia sem qualquer avanço tanto na Delegacia Regional do Trabalho como no Tribunal Regional do Trabalho. Os patrões somente aceitavam voltar a negociar, caso os trabalhadores retornassem ao trabalho. Tal proposta foi veementemente rejeitada pelos operários.     

 

O cerco policial foi intenso no decorrer de toda a greve. Enquanto não houve acordo, muitos trabalhadores e trabalhadoras acamparam na porta das fábricas, passaram dias e noites, sob o sol e a chuva, com a intensão de pressionar os empresários a voltar a mesa de negociações. As condições foram precárias, enfrentando muitas dificuldades, repressão e intransigência patronal. Houve a participação de todos, inclusive de operárias gestantes. Não havia distinção de tratamento entre os grevistas, todos sofreram as mesmas penalidades e sanções. Notando a forte resistência dos trabalhadores em greve, os patrões voltaram a negociar apenas no dia 05 de agosto. Ainda intransigentes no quesito econômico, foram cedidos alguns benefícios como, um aumento salarial escalonado conforme a quantidade de funcionários por empresa, bem como a estabilidade das gestantes e o direito a creche. Tal proposta foi levada em Assembleia Geral para apreciação e discussão dos trabalhadores na madrugada do dia 06 de agosto, sendo aprovada por unanimidade pelos operários, encerrando a primeira greve geral no Distrito Industrial de Manaus após seis longos dias. Uma das principais reivindicações não foi atendida, que versava sobre a redução da jornada de trabalho, mas para a primeira experiência destes trabalhadores, a conquista simbólica e ideológica foi maior que a econômica. 

 

Neste sentido, as mulheres foram as idealizadoras das mobilizações, piquetes e organização envolvendo está greve. Sem elas, possivelmente o movimento não teria obtido o mesmo êxito e nem as mesmas conquistas. Notamos após a greve, a ampla participação dessas trabalhadoras no sindicato, nas lutas operárias e nos movimentos sociais em Manaus. Como resultado dessa organização das operárias, um comitê feminino foi formado por trabalhadoras do Distrito Industrial posterior a greve, promovendo no Dia Internacional da Mulher, o 1º Encontro da Mulher Operária de Manaus, em 1986. Os temas discutidos foram o mercado de trabalho, a discriminação profissional e sexual, direito a creche, salários idênticos para as mesmas funções, discriminação do aborto e outras questões.  As mulheres estavam centradas na necessidade de maior participação sociopolítica, tanto nos espaços públicos como no privado. 

 

Entre 1985 e 1987, o Distrito Industrial viveu um intenso período de greves, em que as mulheres tiveram grande destaque. A maioria dessas greves eram lideradas por trabalhadoras. Foram elas garantiram a unidade do movimento e o fortalecimento das lutas cotidianas no interior do movimento sindical e operário amazonense. Nessas mobilizações foi fundamental a atuação das comissões de fábricas, porque eram nelas que ocorriam a comunicação direta entre os trabalhadores de base e o sindicato, integrando lutas antigas e recentes, guiando as formas de organização no chão das fábricas. No decorrer deste breve estudo, observamos o crescimento e a reconstrução da imagem da mulher operária no Distrito Industrial de Manaus e suas múltiplas facetas e o seu poder se reinventar mesmo em um ambiente tão adverso e propenso ao preconceito. Ademais, é preciso destacar que, apesar dos percalços, as mulheres operárias industriais não se intimidaram, sabendo se reinventar, superando a exploração e a hostilidade patronal. Encerro este texto, como uma reflexão trazida por Michele Perrot, no qual a autora destaca que “história das mulheres também não mudou muito o lugar ou a ‘condição’ dessas mulheres. No entanto, permite compreende-las melhor. Ela contribui para uma consciência de si mesmas, da qual é certamente ainda apenas um sinal”. (PERROT, 2005, p.26). Diante do que foi exposto, é necessário relembrar que a história de luta das mulheres é uma história de resistência, subjetividades e empoderamento feminino e está em constante construção. 

 

Referências biográficas

 

Vanessa Cristina da Silva Sampaio - Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES 

 

Referências bibliográficas

 

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Tradução de Viviane Ribeiro. Bauru: EDUSC, 2005.

 

RIBEIRO, Marlene. De Seringueiro à Agricultor/pescador à Operário Metalúrgico: Um estudo sobre o processo de expropriação/proletarização/ organização dos trabalhadores amazonenses. Dissertação de mestrado em Educação apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, 1987. SCHERER, Elenise. Baixas nas carteiras: desemprego e trabalho precário na Zona Franca de Manaus: EDUA, 159p, 2005.

 

TORRES, Iraildes Caldas. As Novas Amazônidas. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2005

 

Outras fontes 

 

Jornal A Crítica, Manaus. Jornal do Comércio, Manaus.

3 comentários:

  1. Boa tarde, Vanessa!
    Gostei muito do seu trabalho, parabéns!
    Interessante conhecermos as mobilizações que acontecem ou aconteceram no nosso país e seu trabalho apresenta isso. Importante sobretudo entendermos que nossa luta por espaços ultrapassam os limites geográficos, sociais, morais. Gostaria de saber como seria possível trabalhar no ensino de história esses pontos que você aborda, por exemplo, luta feminina, espaço de trabalho, violência física ou psicológica, aborto, salários baixos, enfim todo esse universo em que nós mulheres estamos submetidas? E com qual série você trabalharia?
    Abraços,
    Rannyelle Rocha Teixeira – UFRN

    ResponderExcluir
  2. Obrigada, Rannyelle pelo comentário.
    Penso que seria mais interessante abordar esses temas no Ensino Médio. Questões de violência e de gênero seriam melhor discutidos entre os jovens.

    Vanessa Cristina da Silva Sampaio - UFAM

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.