Amanda de Lima de Almeida

MULHERES, CASA E O LAR: ECONOMIA DOMÉSTICA E OS DISCURSOS DE FEMINILIDADE NO BRASIL NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

 

“Amantes meus, depois de morto Ulisses, vós não me insteis, o meu lavor perdendo, sem que do herói Laertes a mortalha Toda seja tecida, para quando. No sono longo o sopitar o fado: nenhuma Argiva exprobre-me um funéreo manto rico não ter quem teve tanto. —  Esta desculpa ingênua aceitamos. Ela, um triênio, desmanchava à noite à luz da lâmpada o lavor diurno; Ao depois, avisou-nos uma escrava, E a destecer a teia a surpreendemos: Então viu-se obrigada a concluí-la, E aos olhos despregou-nos a luzente Obra insigne, imitante ao Sol e a Lua.” (HOMERO, [ca.VIII a.C.] 2009, p.255)

 

O trecho descrito acima na Odisseia de Homero, faz menção ao mito grego de Penélope esposa de Ulisses. A história narra o momento de separação entre Ulisses e Penélope, e a espera dela pelo retorno de seu amado esposo. 

 

Ao ser convocado para guerra, Ulisses sai de casa e demora a retornar. Penélope passa então a ser compelida por seu pai a escolher outro marido. Porém, para conseguir prorrogar essa escolha, ela diz ao seu pai que escolheria um novo pretendente somente quando terminasse de bordar uma mortalha para Laertes. Desse modo, Penélope bordava o tecido durante o dia e à noite desmanchava tudo o que havia feito, com objetivo de conseguir retardar o dia de tomar tal decisão e continuar esperando o retorno de Ulisses da guerra. 

 

Analisando esse clássico mito grego, uma das interpretações possíveis, é que Penélope representaria um certo ideal de feminilidade principalmente ocidental, de esposa fiel, que prezava por seu esposo e matrimônio. Essas características preponderantes em Penélope na história, também tornam-se recorrentes nos discursos comportamentais e morais voltados para formação e educação das mulheres, sobretudo com a resinificação de lar e família decorrente da ascensão burguesa entre o século XVIII e XIX. 

 

A partir do exposto, o estudo visa refletir e analisar as principais contribuições da economia doméstica, para propagação de um determinado ideal de feminilidade, de mãe, esposa e dona do lar, sobretudo nas classes mais abastadas brasileiras, nas primeiras décadas do século XX. 

 

Mulheres, lar e a economia doméstica  

 

A História das mulheres enquanto objeto de pesquisa, vem se consolidando como um campo significativo, preocupado principalmente em revisitar as experiências femininas e as representações sobre as mulheres. 

 

A historiadora Michele Perrot, enfatiza em seus estudos que a história das mulheres, e as representações das mesmas, tem sido objeto de diferentes temáticas de investigações históricas, nessa perspectiva discutir e problematizar as formas de emitir e receber os valores sobre determinados costumes e hábitos esperados delas, bem como os diferentes discursos sobre atuação das mulheres e feminilidade, são importantes para historiografia atual. 

 

Segundo Pilla (2003) ao analisar a história dos bons costumes, civilidade e regras de comportamento, consta-se que esses conceitos não se restringem apenas as questões de etiqueta, mas referem-se a moral e a ética inscritas nas relações sociais estabelecidas pelos sujeitos. Ou seja, aos comportamentos e valores aceitos pela comunidade ou sociedade que determinado indivíduo está inserido. 

 

Chartier (2004) corrobora com essa perspectiva, ao evidenciar que a concepção de civilidade muda conforme o tempo e pode ser definida como: 

 

“[...] conjunto de regras que só tem sentido nos gestos que a efetuam. Sempre enunciada à maneira do dever ser, a civilidade visa transformar em esquemas incorporados, em reguladores automáticos e não expressos de condutas as disciplinas e censuras que ela enumera e unifica numa mesma categoria (...) a civilidade deve, entretanto, anular-se como discurso proferido ou ouvido para transformar-se num código de funcionamento em estado prático, feito de adaptações espontâneas, subtraídas em grande parte à consciência, as situações diversas com as quais o indivíduo pode ver-se confrontado.” (CHARTIER, 2004, p. 49) 

 

Nesse contexto, conforme destacou Almeida (2020) o debate entre o público e privado que ganha notoriedade sobretudo depois da Revolução Francesa, em que os interesses políticos e individuais sobre esse tema ganham espaço no cotidiano das pessoas, passam também a determinar um ideal de comportamento, civilidade e moral no qual os papeis sociais das mulheres passam a ser distintos do que se presenciava até então nos séculos anteriores. Atrelado a isso, a família ganhou um novo status, o de alicerce da moral e da ordem social. A família, principalmente a nuclear, composta por mãe, pai e filhos passa com a modernidade a ser um importante símbolo social, no qual a mulher desempenha uma função ímpar.  

 

D‘Incao (2017) ressalta em seus estudos, que o próprio casamento entre famílias ricas e burguesas a partir do século XVIII, passa a ser usado como forma da mulher acender socialmente, tornando-se uma etapa importante para a vida delas, principalmente para as jovens e senhoras das classes mais abastadas da sociedade.

 

“Cada vez mais é reforçada a ideia de que ser mulher é ser quase integralmente mãe dedicada e atenciosa, um ideal que só pode ser plenamente atingido dentro da esfera da família burguesa e higienizada’. Os cuidados e a supervisão da mãe passam a ser muito valorizados nessa época, ganha força a ideia de que é muito importante que as próprias mães cuidem da primeira educação dos filhos e não os deixem simplesmente soltos sob a influência de amas, negras ou “estranhos”, “moleques da rua.” ( D, INCAO, 2017, p. 229) 

 

Perrot (1991), ao analisar as donas de casa parisienses do século XIX, constata que as mesmas passam a desempenhar múltiplas tarefas, desde educar os filhos a gerir as finanças da casa e cuidar de todos os afazeres domésticos. Esse trabalho não remunerado da dona de casa foi um elemento importante na constituição da sociedade moderna e da família burguesa. Uma vez, que a família e os filhos passam a ser um reflexo importante da ideia de progresso, modernidade e do espaço privado, como o lar, no qual as mulheres passam a atuar quase que exclusivamente. 

 

Rocha-Coutinho (1994) destaca que a ideia de amor materno e o olhar mais afetivo para família, ganhou contornos cada vez mais específicos somente a partir do século XVIII, e motivou o discurso de um novo casamento que não seria mais baseado no dote, mas no amor pelo marido e filhos, dando origem a ideia de lar como “espaço afetivo”, no qual a mulher exerceria sua principal, altruísta e importante função de ser mãe. 

 

Nesse contexto, segundo Telles (2017) os discursos sobre a “natureza feminina” começam a definir a mulher com qualidades e virtudes dependentes do lar e da família, a mulher seria então a companheira do homem, educadora dos filhos, um ser cheio de virtudes o “anjo do lar”. 

 

“O desenvolvimento das cidades e da vida burguesa no século XIX influiu na disposição do espaço no interior da residência tornando-a mais aconchegante; deixou ainda mais claros os limites do convívio e as distâncias sociais entre a nova classe e o povo, permitindo um processo de privatização da família marcado pela valorização da intimidade.” ( D’ INCAO, 2017, p. 228). 

 

Dentro dessa perspectiva, pode-se perceber que a mulher, não deveria cuidar somente da casa, do espaço físico em que morava com sua família, mas principalmente manter o bem-estar e harmonia do seu lar, do espaço íntimo, sentimental e privado de sua família. 

 

Cabe aqui um importante adendo, de que à história das mulheres não se circunscreve somente nas questões do lar e da família, pois as mulheres produzem história para além dos espaços privados de seus lares. (ALMEIDA, 2020). Apesar de ser algo mais comum no cotidiano das mulheres das classes abastadas entre o século XVIII, XIX e início do XX as preocupações com a casa, matrimônio e o lar, não era incomum também que mulheres de classes mais pobres, circulassem pelas ruas de maneira mais curriqueira, frequentassem comércios e em alguns casos fossem as responsáveis pelo próprio sustento de suas famílias, revelando um protagonismo histórico das mesmas na sociedade. 

 

Entretanto, o ser dona de casa, foi um dos importantes papeis atribuídos as mulheres durante muito tempo na história, sendo, por exemplo, um aspecto importante para compreensão histórica das fundamentações da luta pelos diretos das mesmas.

 

Essa preocupação com o lar e com a família, faz com que surja entre muitos conhecimentos para possibilitar que a mulher, esposa e mãe desempenhasse uma boa “gerência do seu lar”, a economia doméstica. 

 

Oliveira (2006) aponta que a economia doméstica tratava-se de um campo de conhecimento destinado à eficácia científica em tarefas cotidianas da casa para melhorar a vida das famílias. Esses conhecimentos deveriam ser aplicadas sobretudo pelas mães e esposas, que eram as principais responsáveis pela manutenção da casa e do lar. 

 

Apesar de ter surgido na Noruega no final do século XIX, foi nos Estados Unidos que a economia doméstica ganha maior expressionalidade como área do conhecimento acadêmica, bem como popularidade através de manuais, revistas femininas e conferências sobre a temática. 

 

Saberes como organização da mobília, limpeza, higienização, saúde dos filhos e administração das finanças estavam entre os principais temas abordados pela economia doméstica, cujos ensinamentos apareciam tanto nas revistas e periódicos destinados ao público feminino quanto na grade curricular dos cursos de formação para meninas e jovens no início do século XX em alguns estados brasileiros. 

 

“Para outros, inspirados nas ideias positivistas e cientificistas, justificava-se um ensino para mulher que, ligado ainda à função materna, afastasse as superstições e incorporasse as novidades da ciência, em especial das ciências que tratavam das tradicionais ocupações femininas. Portanto, quando, na virada do século, novas disciplinas como puericultura, psicologia ou economia doméstica viessem integrar o currículo dos cursos femininos, representariam ao mesmo tempo, a introdução de novos conceitos científicos justificados por velhas concepções relativas à essência do que se entendia como feminino.” ( LOURO, 2017, p. 447).

 

A economia doméstica, portanto nas primeiras décadas do século XX no Brasil, acompanhava o discurso modernizador republicano que segundo Almeida (2020) deram ênfase necessidade de proteger as mulheres para que bem criassem seus filhos, para o progresso da nação. 

 

“As últimas décadas do século XIX apontam, pois, para a necessidade de educação para a mulher, vinculado-a à modernização da sociedade, à higienização da família, à construção da cidadania dos jovens (...) a elas caberia controlar seus homens e formar os novos trabalhadores e trabalhadoras do país; àquelas que seriam as mães dos líderes também se atribuía a tarefa de orientação dos filhos e filhas, a manutenção de um lar afastado dos distúrbios e pertubações do mundo exterior.” (LOURO, 2017, p. 447)

 

Introduzida no Brasil, principalmente pela via dos livros de formação para mulheres, e escolas normais, a economia doméstica buscava oferecer uma formação adequada para uma boa gerência da casa, cuidados dos filhos e matrimônio. Desse modo, entre os objetivos da disciplina de economia doméstica nos seus primórdios estava: 

 

“(...) desenvolver uma profissão que compreendesse as obrigações e oferecesse oportunidades de trabalho para as mulheres, com princípio científicos e processos para melhorar a gestão das famílias”. (FERREIRA, 2015,p. 4) 

 

Para Louro (2017) a economia doméstica ao adentrar nos cursos destinados às mulheres constituiu-se em um gama variada de ensinamentos referente administração do lar, não apenas de forma simplista, mas de modo complexo com princípios científicos que permeavam cada tarefa a ser exercida principalmente pelas mulheres em seus lares. Isso decorre principalmente da ideia de que a ciência seria uma importante aliada para as mulheres tornarem mais efetivas e eficazes, as variadas tarefas que o ser dona de casa exigia. 

 


Fonte:Revista Feminina, n 32, p.29, jan. 1917

 

Como ilustrado na Revista Feminina, importante revista destinada às mulheres com edições publicadas mensalmente entre 1914-1936 em São Paulo, a mulher deveria primar pela organização, higienização e ornamento dos diferentes espaços de sua casa, o lar era sua ocupação por excelência. Essa organização deveria ser feita com base em um método que tornasse essas tarefas mais rápidas, eficientes e funcionais, nesse sentido é que a economia doméstica apresentava uma“ ciência do lar”, apresentando um método para cada tarefa a ser realizada nesse espaço. 

 

No que tange o contexto educacional, a economia doméstica passa a fazer parte dos estudos escolares por demanda da sociedade moderna. Como assinalou Bittencourt (2003) diferentes processos originam a criação e implantação de uma disciplina no currículo escolar. 

 

Apesar dessa importância conferida economia doméstica por parte da sociedade do no início do século XX, a mesma não era uma disciplina que estava presente em todos os currículos de todas as escolas e estados brasileiros. Strang e Santos (2017, p. 19) destacam que:

 

“Observamos o caso da disciplina economia domestica. Na composição de alguns currículos dos cursos normais que se estruturam durante o século XIX, a disciplina estava diretamente relacionada  formação feminina. Em Sergipe [...] o ensino dessa disciplina acontecia durante três anos, apenas na formação feminina. Evidentemente, houve resistências e excessos. A Escola Normal de Santa Catarina, por exemplo, não contemplava em seu currículo essa matéria, tampouco algo relacionado as práticas domésticas ou trabalhos manuais.”

 

A partir dos elementos apontados por esses pesquisadores, pode-se perceber que a economia doméstica, ao contrário do que se assistia nos Estados Unidos e outros países europeus em que já era mais difundida e aceita, era um campo de conhecimento em construção no Brasil nas primeiras décadas do século XX, isso pode se justificar pelo fato de que grande parte dos ensinamentos destinados às mulheres, se dava de forma privada em seus lares. Esses saberes eram passados de mães para filhas ou por preceptores que iam até à casa das mulheres, no caso das famílias abastadas. 

 

Entretanto, essa gama variada de conhecimentos que formavam a área da economia doméstica, possibilitaram que as mulheres “profissionalizassem a atuação doméstica” atuando como colunistas em revistas femininas sobre essa temática, educadoras, gestoras das finanças domésticas e em alguns casos elas encontravam uma forma de gerar renda extra para sua família, com os trabalhos manuais de costura e renda, por exemplo,  que compunham o ensino dessa área. 

 

Considerações finais 

 

Por meio dos variados conhecimentos que faziam parte da economia doméstica, conclui-se que a mesma reforçava a importância da atuação das mulheres como mães e donas de casas, dando orientações e instruções com base em diferentes áreas do conhecimento. Todavia, esses variados saberes acessados, nas escolas, salões, cursos, impressos, permitiam também que essas mulheres atuassem em outras áreas  para além do espaço privado dos lares, mas que, em simultâneo, não as tirassem totalmente do contato/comando de suas casas. 

 

Referência biográfica 

 

Amanda de Lima de Almeida, atualmente é professora Tutora no Curso de graduação em Pedagogia da Faculdade Unina. Possui licenciatura em Pedagogia pela UFPR (2017), especialização em História e Cultura Afro- brasileira pela Faculdade Futura (2019), pós-graduação em Psicopedagogia Institucional e Clínica (2020) pela Faculdade Faveni e especialização em Educação a Distância com ênfase em formação de Tutores pela Faculdade Unina (2021). É Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (2020) com ênfase em História e Historiografia da Educação. Atualmente cursa licenciatura em Geografia pelo centro universitário Uninter (2020-atual). Foi bolsista Capes (PROEX) entre fevereiro e agosto de 2019. Tem experiência em docência no ensino fundamental I, organização do trabalho pedagógico, educação profissional com ênfase em Empreendedorismo, e Tutoria EaD.

 

Referências bibliográficas 

 

ALMEIDA, Amanda de L. de. Agulha, novelo, tecido e muito mais: lições de economia doméstica na Revista Feminina (São Paulo, 1915-1918). Curitiba, 2020. Dissertação (Mestrado em Educação) ̶ Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná.

 

BITTENCOURT, C.M.F. Disciplinas escolares: história e pesquisa. In: OILIVEIRA, M.A.T. de; RANZI, S.M. F (orgs.) História das disciplinas escolares no Brasil. Bragana Paulista: EDUSF, 2003, p.9-38.

 

CHARTIER, R. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Editora da Unesp, 2004.

 

D’ INCAO, M, A. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE (org.). História das mulheres no Brasil. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2017, p. 223-240.

 

FERREIRA, N, V. Gênero e educação: A formação em economia domestica. In: 37 Reunião da Anped-Sul, 2015. Anais... Florianópolis, 2015. p. 1-15.

 

HOMERO, Odisseia. 3 ed. São Paulo: Atena Editora, 2009.

 

LOURO, G, L. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, M. (org.). História das mulheres no Brasil. 10 ed. São Paulo: Contexto: 2017, p. 443-481.

 

OLIVEIRA. A, C, M. Economia domestica: Origem, desenvolvimento e campo de atuação profissional. Vértices, Campos dos Goytacazes, v.8, n 1/3, p. 1-12, jan/dez 2006.

 

PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

 

PERROT, M. Os atores. In: ARIS, P; DUBY, G. (orgs.) História da vida privada. v. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 89-192.

 

PILLA, A, B. Manuais de civilidade, modelos de civilização. História em Revista, Pelotas, v. 9, p. 1-21, dez, 2003.

 

ROCHA-COUTINHO, M, L. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

 

STRANG, B, L, S; SANTOS, F, L, M. Para casar: as boas maneiras e a economia domestica na formação das normalistas nas décadas de 1940 a 1960. Imagens da Educação, Maringá, v.7, n 1, p. 14-23, 2017.

 

TELLES, N. Escritoras, escritas, escrituras. In: DEL PRIORE, M. (org.) História das mulheres no Brasil. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2017, p. 401-442.




22 comentários:

  1. Olá, Amanda!
    Texto interessantíssimo.
    Você acha que as mulheres passaram por esse processo de "cientificização" dos afazeres domésticos de maneira passiva ou ativa? Maria Martha Luna Freire defende que existe uma relação de aliança entre mulheres e médicos na questão da maternidade científica, por exemplo, por considerar que essas mães, o público alvo das palavras e ações médicas, também estavam integradas a um movimento mais amplo da sociedade, com perspectivas de um futuro promissor e “progresso”. Ou seja, as mulheres também quiseram assumir esse papel de maior destaque na sociedade, naquele momento (começo do século XX). Você acha que isso também se aplica pra economia doméstica?
    Também gostaria de deixar a sugestão de um livro muito bom, que fala dessa gênese da economia doméstica do contexto estadunidense: Para seu próprio bem - 150 anos de conselhos de especialistas para as mulheres das autoras Barbara Ehrenreich e Deirdre English. Acredito que pega bastante da temática do seu texto!
    Agradeço desde já.
    Att,
    Fernanda Loch.

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  3. Olá, Fernanda!

    Primeiramente gostaria de agradecer pela leitura cuidadosa do meu texto e por suas ótimas indicações e contribuições. Considero esse momento único, para construirmos novos conhecimentos!

    Sobre a sua questão, penso que esse processo de "cientifização dos afazeres domésticos" foi vivido pelas mulheres das duas formas, ora de maneira passiva, por meio das leituras dos manuais de conduta e comportamento, manuais de puericultura ou até mesmo pela imprensa feminina, que salientava em suas páginas, os comportamentos considerados adequados para essas mulheres, principalmente as das classes abastardas da sociedade. Ora foi vivida de forma ativa. No caso americano, por exemplo, havia uma defesa da ideia da economia doméstica como uma área importante do conhecimento, concepção que foi defendida por homens mas também por mulheres que atuavam na escrita de periódicos ou como professoras em universidades e pesquisadoras. Ellen Richards (1842-1911), foi uma das fomentadoras dos movimentos em defesa da economia doméstica nos EUA, ela desenvolveu pesquisas importantes na área da engenharia sanitária e da própria economia doméstica, colaborando com criação em 1909, da Associação Americana de Economia Doméstica (American Home Economics Association – AHEA, depois nomeada de American Association of Family and Consumer Sciences ─ AAFCS) que foi fundamental na visibilidade e disseminação do que seria esse campo do conhecimento. A divulgação e justificativa da economia doméstica, dava-se pelo status de “ pedra fundamental” que a família ganhou na sociedade moderna com a acensão burguesa em que a família e a casa passam a ser um espaço privado importante e lugar por “excelência da mulher”.
    No Brasil, por meio das revistas femininas, havia disseminação e divulgação de cursos ligados à economia doméstica ou prendas domésticas, que ensinavam corte e costura, por exemplo, e que possibilitavam as mulheres terem uma renda extra, e aprenderem novos conhecimentos.

    Espero ter sanado sua dúvida de alguma forma,

    Abraços, Amanda de Lima de Almeida

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  4. Olá!
    Diante do exposto em seu texto, poderíamos dizer que a educação e proteção dada a mulher é uma cruel construção cultural?
    Obrigada.

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  5. Olá,

    Primeiramente quero agradecer por sua disponibilidade e interesse em ler meu trabalho.

    Sobre sua afirmação, os estudos sobre a história das mulheres, mostram que durante muito tempo a escrita da história delas, foi feita por outros sujeitos, que não elas mesmas. Todavia, isso não quer dizer que as mesmas não produziam história. No Brasil do início do século XX, era possível encontrar mulheres que trabalhavam no comércio, eram chefes de suas próprias famílias, principalmente as mulheres das classes menos favorecidas, ou seja, que circulavam pelas ruas e produziam outras formas de viver e histórias cotidianas. Até mesmo, por meio das páginas de periódicos e revistas, muitas mulheres se manifestavam em defesa de uma maior autonomia e direitos. Todavia, concordo com sua ideia de que muitos dos comportamentos indicados e esperados das mulheres ao longo da história, como o cuidado com o lar, família e o próprio amor materno, tal qual a sociedade moderna conhece hoje, são frutos de uma construção social.

    Abraços, Amanda de Lima de Almeida

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  6. Olá, bom dia!
    Excelente abordagem e referencias.
    Muito significativo seu trabalho, ao abordar essa intersecção discursos, feminilidade e mulheres, logo no processo de transição que o Brasil experienciou no inicio do século XX, transformações que reverberaram no comportamento social dos sujeitos. Em vista disso, quais os desafios que você nesse percurso ao revisitar as experiências femininas e as representações sobre as mulheres?
    Ficarei feliz em ter sua resposta.
    Ass: Veronica Lima de Amorim Matos

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  7. Olá, bom dia!

    Fico imensamente grata por sua contribuição e leitura do meu texto.


    Sobre a sua questão, penso que ao longo da história, as mulheres enfrentaram desafios diferentes na constituição de uma história própria. No início do século XX a luta pelo direito ao voto, participação política, educação e vida profissional eram temas recorrentes dos movimentos femininistas, mas também havia mulheres que lutavam e defendiam que o ser dona de casa dedicada a família e o lar era uma ocupação, um lugar importante para mulher moderna das primeiras décadas do século passado. O que quero enfatizar com isso, é que esses desafios também apresentam especifificidades que variam conforme as demandas das mulheres a partir de suas classes sociais, etnias, culturas, etc.

    Na segunda metade do século XX, vemos outras pautas de luta dos movimentos feministas surgindo, como a luta pelo direito de usar a pílula anticoncepcional. Atualmente, as questões de equidade salarial, representatividade em cargos públicos de liderança, participação política, são desafios a serem superados pela sociedade moderna em relação as mulheres.

    Abraços, Amanda de Lima de Almeida

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  8. Maria Reinalda Farias dos Santos26 de maio de 2021 às 10:04

    Olá, bom dia Amanda!
    Partindo do paradigma da história sócio-cultural das mulheres, e observando claro, as possibilidades econômicas, sociais e culturais da época, podemos acreditar que um dos maiores desafios da historiografia atual se encontra na analise das relações entre os conteúdos disponíveis tidos como oficiais, bem como, as publicações da imprensa e por último não mais importante eu pessoal. Que juntos formam diversos saberes e modificam-se constantemente cada um com suas particularidades?
    Maria Reinalda Farias dos Santos.

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  9. Olá, Maria! Bom dia.


    Obrigada por sua contribuição e leitura!

    Sobre sua questão, penso que a historiografia atual encontra desafios variados sobretudo no âmbito da produção acadêmica. A historiografia que debate o tempo presente tem se preocupado com questões acerca da interdisciplinariedade dos estudos históricos e até mesmo com a criatividade na escrita das pesquisas, como pontuou o professor José Barros (2019), em uma conferência intitulada:“ Seis desafios para a Historiografia do Novo Milênio”, na PUC-MG. Isso, claro, impacta as produções da historiografia da história das mulheres, que durante muito tempo centrou a maior parte das discussões na invisibilidade da mulher na sociedade e no processo de vitimização vivido por ela. Mas que nos últimos anos, tem ganhado outras perspectivas com o estudo de fontes como: imprensa, jornais, revistas, cadernos escolares, etc.
    As fontes de estudo hoje de um historiador são diversas, a imprensa, a história material, imaterial, história oral, etc. cada uma coloca um desafio diferente para o historiador, que precisa fazer novas perguntas e lançar um novo olhar sobre seus objetos de estudo.

    Att, Amanda de Lima de Almeida

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  10. Ótimo trabalho e abordagem do assunto, em questão do movimento feminista, você acha que ele surgiu como um reflexo por conta de tudo o que as mulheres tiveram que lidar? E você o vê com qual importancia?

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  11. Olá, Maithê, como você está?

    Primeiramente agradeço por sua generosidade e disponibilidade em ler meu texto!

    Em relação a sua dúvida, sim! Concordo com seu argumento, muitos movimentos feministas, como o movimento sufragista entre o final do século XIX e início do XX, demonstraram um movimento de várias mulheres, em prol da visibilidade e ocupação de outros espaços públicos, que eram por vezes negados a elas, isso, porque, durante muito tempo o espaço privado do lar, como mostrou Perrot em seus estudos, foi o lugar de destino das mulheres. Esses movimentos foram essenciais para lançar luz nas variadas discussões sobre a história das mulheres, como as discussões sobre o acesso à educação, profissionalização, e participação política nos governos democráticos e continuam sendo importantes nas discussões historiográficas.

    Abraços, Amanda Almeida de Lima

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  12. Boa noite Amanda! Parabéns pelo seu belíssimo e tão rico trabalho sobre a história das mulheres.
    Os grupos feministas ao longo dos seus anos trouxeram grandes conquistas e o rompimento de estigmas relacionados as mulheres, principalmente no que se diz respeito ao "mulher é pra ser dona de casa". Ao ler seu texto a gente percebe certas limitações as mulheres que infelizmente em pleno ano de 2021 ainda encontramos. O empoderamento feminino ajudam romper esses preconceitos, você acha viável levar esses assuntos para a sala de aula para se trabalhar a história das mulheres no sentido de obter um percepção do quão as mulheres eram limitadas aos seus afazeres e fazendo uma comparação para os dias atuais?

    Jefferson Giovani Silva Espinoza

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    1. Olá, Jefferson!

      Agradeço pela disponibilidade em ler e contribuir na discussão do meu trabalho.

      Sobre sua questão, sim, acredito ser importante trabalhar esse assunto em sala de aula principalmente do ponto de vista das permanências e mudanças que as mulheres vivenciaram ao longo da história.

      A partir do próprio livro didático de história, já é possível problematizar junto com os estudantes, como as mulheres estão representadas e o mesmo pode ser ampliado por meio do trabalho com outras fontes imagéticas e textuais.

      Att, Amanda de Lima de Almeida

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  13. Ola Amanda, gostei muito do seu texto. é muito gratificante ler textos assim que trabalham essa perspectivas feministas. Minha pergunta que na realidade é uma dúvida é, se o ensino de economia doméstica era voltado para todas as mulheres que estudavam ou se eram voltadas somente para uma determinada classe social? e sobre a parte de administração de finanças que era ensinado as mulheres realmente cuidavam dessa parte em casa ou os homens que se encarregavam do controle do dinheiro?

    Antonio Xavier Miranda Neto

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    2. Olá, Antônio!

      Agradeço por sua leitura atenta e contribuição na discussão do meu texto.

      Sobre suas dúvidas, é importante salientar que a economia doméstica é um curso encontrado até hoje, inclusive como curso superior, porém com configurações e conteúdos distintos. A economia doméstica no início do século XX no Brasil podia ser encontrada em currículos de algumas escolas normais com outros nomes, como prendas domésticas ou educação doméstica. Era voltada principalmente para as mulheres das classes abastadas. Mas muitas ideias e até lições de economia doméstica, também eram escritas em periódicos e revistas femininas, que circulavam por diferentes lugares e diferentes grupos de mulheres que podiam ter acesso de maneira informal a esses conhecimentos.

      Sobre a questão financeira, sim, na maior parte das vezes as mulheres aprendiam a cuidar das finanças, ter um caderno de assentos, ou de registro dos gastos. Como a função primordial de cuidado com o lar, ficava a cargo das mulheres, muitas delas cuidavam das despesas com compras no mercado, limpeza e saúde dos filhos.

      Att, Amanda de Lima de Almeida

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  14. Boa noite, achei seu artigo muito rico e pertinente, e de grande ajuda pra mim que estou fazendo uma pesquisa sobre maternidade e percebi que em seu artigo você não utiliza Elisabeth Badinter, diante disso gostaria de saber quais suas contribuições para a questão relacionada ao fato de que nos últimos séculos o que é ser mãe mudou, se esta construção é politica e cultural?

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    2. Olá, Marlene! Como você está ?

      Muito obrigada pelas contribuições e disponibilidade em ler meu trabalho.

      Esse texto é fruto de uma parte da pesquisa que desenvolvi durante meu mestrado, o foco maior se concentrou em analisar a economia doméstica e o processo de criação do que chamei na minha pesquisa, de formação da gerente do lar e da polivalência da mãe moderna nas primeiras décadas do século XX.

      Apesar de não dialogar tanto com a Badinter nesta pesquisa, a partir dos estudos de Michele Perrot e outras autoras, é possível verficar uma construção social, cultural e política (sobretudo a partir do século XVIII com ascensão burguesa e enaltecimento da família como instância social importante da sociedade moderna) da mulher como " anjo do lar", em que a maternidade passa ser algo importante e quase que destino das mulheres assim como o matrimônio. Os discursos republicano da modernidade e progresso do país no início do século XX, creditavam às novas gerações, o papel de atender essas mudanças e as mulheres/mães deveriam desempenhar o papel de "educadoras" dessa nova geração.

      Ao longo da história percebemos mudanças no que se considera ou se convenciona ser mãe. Com as mudanças na concepção de família e das mudanças decorrentes das lutas e movimentos feministas que permitem maior participação no mercado de trabalho por parte das mulheres, bem como uma maior participação na vida pública, gera-se hoje, um novo olhar sobre a família, maternidade e sobre o papel da mulher na sociedade.

      Att, Amanda de Lima de Almeida

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  15. Danilo Leite Moreira28 de maio de 2021 às 16:07

    Amanda, primeiramente gostaria de agradecer por ter inscrito seu texto em nossa mesa. Parabenizo pelo trabalho desenvolvido sobre a questão da mulher diante da economia doméstica, visto que esse assunto tem aos poucos ganhado destaque acadêmico. Existem muitos autoras brasileiras que podem nos ajudar a pensar essa discussão posta pela Divisão sexual do trabalho. Sugiro leituras do Livro Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. (Flávia Biroli) e Gênero e trabalho no Brasil e na França (Aline Rangel (Org). Vale a pena na busca de pensar e ampliar as discussões referente a esta temática

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    Respostas
    1. Olá, Danilo!

      Obrigada pela contribuição e oportunidade cedida de compartilhar nessa mesa minha pesquisa. Agradeço as indicações de leituras, penso em aprofundar os estudos nessa temática e acredito que essas indicações serão de grande ajuda.

      Att, Amanda de Lima de Almeida

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