Juliana Caroline de Souza Araújo

ASPECTOS DO MUNDO FEMININO MARGINALIZADO NO TRATADO DO AMOR CORTÊS (C.1186) DE ANDRÉ CAPELÃO (1150-1220)

 

Introdução

 

A proposta deste trabalho consiste em refletir sobre as práticas e os comportamentos dos grupos sociais femininos marginalizados (prostitutas, camponesas e cortesãs) presentes no Tratado do Amor Cortês de André Capelão. Segundo Joan Scott, a política feminista foi uma das perspectivas existentes nos anos 60 do século XX que expressava a ideia de igualdade de gênero e de uma uniformidade coletiva feminina. Tais aspectos ofereceram, mais tarde, uma sustentação para a análise e contextualização do campo da História das Mulheres no contexto universitário (SCOTT, 1992, p. 64-67; NASCIMENTO, 1997, p. 82).

 

Este é um movimento historiográfico que surgiu a partir da década de 1960 e ganhou a atenção da academia e do público em geral (SCOTT, 1992, p. 64-67; NASCIMENTO, 1997, p. 82). Com o passar do tempo, iniciaram-se de forma massiva os estudos sobre as mulheres no âmbito acadêmico, principalmente na década de 80 do século XX, momento no qual identificamos a publicação de várias obras voltadas para o estudo sobre as mulheres no Medievo. Logo, a história das mulheres no período medieval tem cada vez mais se desenvolvido como campo de estudos de forma ampla e apresentado pesquisas que revelam um mundo ainda em descobrimento.

 

A representação dos grupos sociais femininos marginalizados (prostitutas, camponesas e cortesãs) foi problematizada devido às questões que giram em torno da misoginia presente na visão masculina e religiosa de André Capelão. Apesar disso, a obra possui elementos importantes do cotidiano feminino e da sociedade feudal em que esses grupos sociais de mulheres estavam inseridos, como veremos posteriormente. No período medieval, as mulheres, em muitas fontes de época, eram representadas de forma negativa. Elas eram restringidas aos seus corpos, os quais eram alvos de críticas desagradáveis, principalmente nos claustros, onde estavam os monges que renunciavam o mundo (KLAPISCH-ZUBER, 2002, p. 145). 

 

O corpo feminino estava diretamente ligado ao pecado da luxúria e da sensualidade, visto pelos eclesiásticos como uma máquina da tentação (CORREIA, 2016, p. 8). Os atos libidinosos eram definidos por órgãos sensoriais, que estavam comprometidos como elementos que geravam a volúpia: “[...] a boca que está relacionada ao discurso sobre excessos, o cheiro, o olhar, a voz sedutora, as mãos que vão evocar os atos. Ou seja, a luxúria é o único vício que utiliza as cinco partes sensoriais do corpo” (FONSECA, K., FONSECA, P., 2010/2011). O discurso a respeito da sexualidade era dominado pelos homens de Igreja, que não possuíam um conhecimento prático e preservavam uma moral extremamente severa (CORREIA, 2016, p. 5). 

 

O Tratado do Amor Cortês 

 

Tratado do Amor Cortês de André Capelão (1150-1220) foi composto no final do século XII, por volta de 1186, no norte da França, e está dividido em três livros que comentam sobre o que é o amor, como mantê-lo e a sua condenação, respectivamente. O objetivo principal do Tratado é tratar da concepção do amor nas cortes feudais, uma vez que ele é uma representação ideológica da nobreza, possuindo um conteúdo que pretendeu doutrinar e conduzir o grupo nobre (MARTÍNEZ, 2019, p. 150). O contexto no qual a obra foi composta coincidiu com o que denominamos feudalismo, um período tradicionalmente visto apenas a partir da ótica masculina, principalmente a partir da relação entre senhores e vassalos (BLOCH, 2001). 

 

Nesta perspectiva, em termos de procedimento metodológico, verificamos que as práticas e os comportamentos presentes no Tratado do Amor Cortês são reflexos do contexto feudal, uma vez que ele se caracteriza como um tratado normativo, sendo necessário, portanto, compreendê-lo a partir do seu contexto de produção. Além disso, é preciso salientar que para se trabalhar com a perspectiva feminina no Medievo é necessário considerar o filtro masculino encontrado na maioria das fontes (KLAPISCH-ZUBER, 1992, p. 16). 

 

Constatamos, desse modo, que foi importante realizar uma avaliação crítica do Tratado do Amor Cortês, uma vez que a atenção disponibilizada para a perspectiva de André Capelão possibilitou uma aproximação à realidade dos grupos sociais femininos marginalizados e não uma reprodução do pensamento do autor da obra. Capelão estava vinculado à condessa Maria de Champagne (1145-1198), filha de Leonor da Aquitânia (1122-1204) e do seu marido Luís VII (1120-1180), rei da França (PERNOUD, 1984, p. 101-102; MARTÍNEZ, 2019, p. 149-150). Ele era um clérigo secular francês.

 

Como base teórico-conceitual para estudar os grupos sociais femininos marginalizados representados no Tratado do Amor Cortês, utilizamos o conceito de representação cunhado por Roger Chartier (1998) e o conceito de memória social elaborado por Patrick Geary (2002). Segundo Chartier, as percepções do âmbito social estão imbuídas com as intenções dos indivíduos ou grupos. Dessa forma, entende-se que os discursos consistem em representações do mundo social (CHARTIER, 1998, p. 17). O Tratado do Amor Cortês, portanto, é composto por diversas representações sociais femininas, uma vez que Capelão apresentava interesses em moldar as características dos grupos sociais femininos marginalizados (prostitutas, camponesas e cortesãs) de acordo com o seu contexto histórico. 

 

Segundo Geary, os incentivos do presente proporcionam a busca no passado e, assim, a memória é recuperada e reformulada de acordo com seu contexto histórico (GEARY, 2002, p.178). Nesse sentido, Capelão, ao escrever sua obra, buscou um incentivo no presente e se voltou para o passado, conseguindo, dessa forma, recuperar a memória dos grupos sociais de mulheres marginalizadas (prostitutas, camponesas e cortesãs) e reformulá-la com objetivos específicos para utilizar no seu discurso.

 

As práticas e os comportamentos dos grupos sociais femininos marginalizados (prostitutas, camponesas e cortesãs) presentes no Tratado do Amor Cortês

 

De início, salientamos que os grupos sociais femininos (prostitutas, camponesas e cortesãs) presentes na obra de André Capelão, são marginalizados em relação ao amor cortês. No capítulo IX do Tratado do Amor Cortês, intitulado “Do amor que se obtém pagando”, André Capelão apresentou os diversos motivos pelos quais Gautier, um homem nobre, não poderia buscar o amor das mulheres prostitutas. Na concepção de Capelão, as prostitutas demonstravam um amor fingido para se apropriar das riquezas dos homens, uma vez que isso se constatou como comércio do amor. Aliás, não apresentavam pudor e somente distribuíam sua libertinagem (CAPELÃO, 2000, p. 189-201.) E, portanto, advertiu:

 

“Mas queira Deus que nunca se compre o amor como mercadoria. O amor é uma dádiva graciosa que nasce apenas da magnanimidade do coração e da pura liberalidade do espírito; por isso deve ser dado gratuitamente, banindo-se a troca. [...] Se, no entanto, for descoberto que eles se dedicam ao serviço do amor unicamente em vista do dinheiro, não caberá mais considerar sincero o sentimento que demonstram: é um sentimento fingido” (CAPELÃO, 2000, p. 177-178).

 

Na visão de André Capelão, o intuito dos prazeres físicos era menosprezar as alegrias do espírito. Para ele, as prostitutas praticavam o meretrício com o objetivo de enganar os homens, sendo dominadas por um comportamento ganancioso. “Mas quando essas riquezas desaparecem e o patrimônio se reduz a nada, o homem passa a ser para elas alvo de desprezo e ódio, a ser rejeitado como abelha improdutiva, e elas começam a aparecer como de fato são” (CAPELÃO, 2000, p. 199). Através desse fragmento, verificamos mais um comportamento direcionado pelo autor ao grupo social de mulheres prostitutas: a cólera. Além disso, em sua perspectiva, elas se comportavam como devassas desprezíveis e possuíam grande astúcia para eleger um homem para se aprazer (CAPELÃO, 2000, p. 198-199).

 

É necessário destacar que, segundo o autor, as mulheres prostitutas eram tomadas pelos impulsos da sensualidade, um comportamento que devia ser controlado pelas esposas nas relações conjugais, justamente para elas não se assemelharem a uma meretriz. As prostitutas eram apontadas pelos homens de Igreja, como André Capelão, como as principais responsáveis pelo pecado da luxúria (CORREIA, 2016, p. 55). É importante pensar que elas ingressavam no meretrício por diferentes fatores, como “[...] pobreza, inclinação natural, perda de status, um passado familiar perturbado, violento, com estupros ou atos incestuosos” (FONSECA, K., FONSECA, P., 2010/2011). 

 

Segundo José Rivair Macedo, a prostituição estava concentrada na zona rural e urbana: na primeira, as autoridades não possuíam o controle; já na segunda, existiu a sistematização e demarcação dos locais onde poderiam ocorrer o meretrício (MACEDO, 2002, p. 57-59). Esse serviço era comumente oferecido em bordéis e em inúmeras tabernas que abrigavam viajantes (ALVES, 2019, p. 61). As mulheres prostitutas eram visitadas na maioria das vezes por camponeses, mercadores, peregrinos, mendigos, servos, fugitivos e indigentes (MACEDO, 2002, p. 57-59; FONSECA, K., FONSECA, P., 2010/2011). E como as prostitutas evitavam a gravidez? Havia meios contraceptivos baseados no saber popular, como a ação do coito interrompido, infusão de plantas venenosas ou mágicas, a utilização de amuletos e supositórios vaginais de óleo de cedro, ou, ainda, a prática de uma posição sexual censurada pela Igreja – a mulher ficar por cima do homem – e, logo após, expelir a urina (ALVES, 2019, p. 63).

 

A seguir, André Capelão reservou o capítulo XI para tratar do amor entre os rústicos, no qual mencionou as camponesas. Vale ressaltar que Capelão não especificou as mulheres camponesas, mas o objeto deste estudo estende-se para estas mulheres. De acordo com o autor, a prática do amor cortês entre as mulheres camponesas se constituiu como impossível, uma vez que elas possuíam funções para trabalhar a terra e a lavoura (CAPELÃO, 2000, p. 206-207). Como defendeu o autor:

 

“Mas mesmo que, contrariando a sua natureza, lhes aconteça – raramente, é verdade – ser instigados pelo aguilhão do amor, não convém iniciá-los na arte de amar: seria de se temer que, desejando comportar-se em oposição às suas disposições inatas, eles abandonassem a cultura das ricas terras que frutificam habitualmente graças aos seus esforços, e que estas se tornassem improdutivas para nós” (CAPELÃO, 2000, p. 207).

 

De acordo com Christine Rufino Dabat, as mulheres camponesas realizavam um papel fundamental no Medievo, assim como os camponeses, pois abasteciam a sociedade medieval. No âmbito rural, o consumo diário era produzido e preservado em casa e, nesse espaço, as mulheres eram consideradas altamente relevantes, pois estavam no comando da unidade familiar. Em geral, as camponesas eram pobres e se desdobravam para assegurar a alimentação de sua família ao longo do ano. Elas dominavam os conhecimentos particulares de abastecimento e manutenção de alimentos, principalmente no decorrer dos prolongados invernos europeus, sendo necessário separar racionalmente no tempo os poucos recursos e não se aventurar a ficar completamente sem comida (DABAT, 2002, p. 28).

 

Para as mulheres camponesas não existiam muitas preferências, dessa forma, o cardápio era formado pelos grãos em forma de papa, pão ou sopa com legumes, através da coleta de cogumelos e frutas silvestres. Na produção têxtil, as camponesas fabricavam as vestimentas de todos, inclusive dos indivíduos da sua casa. Além disso, elas concediam ao castelo ou monastério extensas quantidades de lã, fio e tecidos rudimentares. O grupo social feminino camponês realizava várias atividades que exigiam esforço, como cavar, semear, colher, amassar os cereais, revestir as casas com palha e manobrar moinhos (DABAT, 2002, p. 29-30).

 

Os comportamentos sociais destacados acima provocavam a exclusão das camponesas da corte do amor, pois, abandonar a labuta para se dedicar ao amor prejudicaria o modo de vida nobre, uma vez que os nobres usufruíam das culturas da terra e dos produtos têxteis. Nesse caso, Capelão defendeu o lugar social em que uma camponesa estava inserida e a necessidade dela para a manutenção do padrão de vida da nobreza. Ademais, para o autor, os prazeres do amor que elas podiam obter se baseavam em suas percepções naturais, ou seja, um furor estapafúrdio e sem dissimulação. Ele sustentou, ainda, que as mulheres camponesas apresentavam um comportamento rígido e ostentavam pudor. Com isso, não facilitavam a obtenção dos seus prazeres, levando-as a serem tomadas à força pelos homens nobres (CAPELÃO, 2000, p. 206-207). 

 

No capítulo XII, André Capelão comentou a respeito do amor das cortesãs. Dessa maneira, existe uma diferenciação básica entre a cortesã e a prostituta no Tratado do Amor Cortês, uma vez que a primeira era encontrada nas cortes feudais e a última em bordéis nas ruas. Porém, embora o conteúdo presente na obra sobre as prostitutas e as cortesãs seja escasso, é possível elencar outra distinção além da localização. Quando André Capelão escreve sobre as prostitutas ele é mais detalhista, pois, pretendeu alertar os homens nobres sobre a cupidez dessas mulheres que fingem amá-los para apoderar-se de suas riquezas. Tratando-se do fingimento delas, ele compreendeu que a devassidão das prostitutas é mais indigna do que a das cortesãs, porque estas realizam um comércio público, ou podemos interpretar como transparente. Assim, Capelão afirmou que as cortesãs “fazem aquilo que delas se espera e não enganam ninguém, já que suas intenções estão perfeitamente claras” (CAPELÃO, 2000, p. 199).

 

A proximidade do autor em relação às cortes feudais francesas determinou que o seu contato fosse maior com os grupos sociais de mulheres presentes nesses ambientes, como as mulheres nobres e cortesãs. Por isso, estas foram muito mencionadas ao longo da obra. De acordo com André Capelão, elas são conhecidas nas cortes por sua sensualidade e apetite sexual, sendo compartilhadas por muitos homens (CAPELÃO, 2000, p. 204-205).

 

O personagem da quinta conversação no primeiro livro do Tratado do Amor Cortês descreveu o palácio do amor e todos que lá fazem morada. Ele afirmou que as mulheres que exigiam um lugar na porta oeste eram obscenas e entregavam-se aos prazeres de todos os homens. Nesse diálogo, André Capelão se referiu às cortesãs, as quais não amavam e eram menosprezadas por qualquer homem. Dessa forma, a prática do amor para as mulheres cortesãs se constituiu como inviável, pois elas corrompiam os seus mandamentos e seus serviços. Nas palavras de Capelão: “Por isso, como residem a oeste, o raio afogueado do amor que vem do oriente não pode tocá-las” (CAPELÃO, 2000, p. 19-83).

 

Ademais, na representação do palácio do amor o autor destacou os sofrimentos que estariam reservados para as mulheres cortesãs, os quais eram determinados pelo rei do amor. Elas seriam atormentadas por uma variedade de homens e estariam destinadas à um local específico do palácio, intitulado Umidade. Nesse caso, os arroios que irrigavam a Amenidade – o lugar onde residiam as damas da porta sul, que são dignas de louvores – escoavam por Umidade e inundavam-no por completo. O fragmento seguinte expressa os tormentos que as cortesãs enfrentariam:

 

“[...] As mulheres impudicas, que em vida não temeram entregar-se ao prazer de todos os homens e ceder aos desejos de todos os que as solicitavam, não vedando a pretendente algum a entrada de sua morada. Por isso, nessa corte, elas mereceram ser assim tratadas; pela excessiva dádiva que fizeram de si, pela acolhida que deram a todos os homens, indiscriminadamente, são fustigadas sem medida nem distinção pelos serviços de uma multidão infindável. Para elas, tais serviços produzem efeito contrário ao objetivo: só as molestam, afligem e ultrajam ao máximo. [...] As mulheres começaram a soltar as rédeas na região de Umidade para, ali mesmo, fruir dos prazeres que pudessem encontrar, pois aquele era o lugar que o Amor lhes havia reservado” (CAPELÃO, 2000, p. 90-96).

 

Ainda segundo André Capelão, as cortesãs esbanjavam enfeites e, por isso, não eram constituídas por nenhuma virtude (CAPELÃO, 2000, p. 208). Os adereços estavam ligados a elas e serviam para despertar a atenção dos rapazes (FONSECA, K., FONSECA, P., 2010/2011). De acordo com a ideia seguinte: “Eis que uma mulher sai-lhe ao encontro, ornada como uma prostituta e o coração dissimulado” (Provérbios 7: 10). Assim, era predominante entre os homens de Igreja a aversão ao poder de sedução e ao esbanjamento sexual dessas mulheres, sendo confortante naturalizá-las como obscenas, libidinosas e insuficientes de inteligência (FONSECA, 2012, p. 175-177).

 

De acordo com o escritor, era necessário evitar a prática do amor das cortesãs, pois este é revestido pelo poder da sedução e conduz o homem nobre ao pecado. Como ocorre com as mulheres prostitutas mencionadas anteriormente, na perspectiva de Capelão os deleites do corpo em troca de presentes e dinheiro são considerados comportamentos nefastos. O fragmento seguinte mostra essa ideia. “Aliás, mesmo ocorrendo que uma mulher dessas se apaixone, não resta dúvida de que seu amor é funesto para os homens: todos os que tenham bom senso reprovam o comércio íntimo das cortesãs, e quem as frequenta perde a boa reputação” (CAPELÃO, 2000, p. 208).

 

Considerações finais

 

A grande maioria dos discursos masculinos no Medievo são marcados por críticas negativas ao mundo feminino. No caso do Tratado do Amor Cortês, verificamos a presença consistente de comentários inconvenientes direcionados aos grupos sociais femininos marginalizados (prostitutas, camponesas e cortesãs), surgindo a necessidade de problematizá-los, filtrando a perspectiva religiosa de André Capelão, marcada pela aversão ao feminino e, consequentemente, pelas concepções a respeito do corpo feminino. A partir disso, conseguimos evidenciar os motivos pelos quais essas mulheres eram marginalizadas do amor cortês, assim como suas particularidades e atividades cotidianas.

 

Na análise das práticas e dos comportamentos dos grupos sociais femininos marginalizados (prostitutas, camponesas e cortesãs), agregamos, de forma aproximada, um saber sobre as realidades sociais desses grupos de mulheres no período feudal. Até porque a abordagem sobre esses grupos sociais de mulheres é imprescindível para tornar íntegro o entendimento a respeito do século XII. Foi dessa forma que o Tratado do Amor Cortês possibilitou o estudo sobre esses grupos, que até o momento foram pouco analisados em pesquisas historiográficas na área de História Medieval, especificamente no período histórico feudal.

 

Referência biográfica

 

Juliana Caroline de Souza Araújo é graduanda do Curso de História da Universidade de Pernambuco/campus Petrolina e integrante do Spatio Serti – Grupo de Estudos e Pesquisa em Medievalística (UPE/campus Petrolina). Atualmente realiza seu projeto de Iniciação Científica como bolsista da Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) sob a orientação do Prof. Dr. Luciano José Vianna, cujo título é “A representação dos grupos sociais femininos marginalizados no Tratado do Amor Cortês (c. 1186) de André Capelão (1150-1220).”

 

Referências bibliográficas

 

Fontes 

 

Tratado do Amor Cortês. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

 

Bibliografia

 

ALVES, Joana Catarina Machado. As Mulheres que fazem do seu corpo sua vontade: a prostituição na Idade Média. In: Omni Tempore: atas dos Encontros da Primavera 2018. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2019. p. 33-70.

 

BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: Edições 70, 2001.

 

CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL,1988, p. 13-28.

 

CORREIA, Cristina Patrícia Costa Constantino. A sexualidade feminina na Idade Média Portuguesa: Norma e Transgressão. 2016. 91 f. Dissertação de Mestrado em História (Especialização em História Medieval) – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa.

 

DABAT, Christine Rufino. “Mas, onde estão as neves de outrora?” Cadernos de História (UFPE) – Gênero & História. Ano I, Número 1, 2002, p. 23-68.

 

FONSECA, Kelly Cristina. FONSECA, Pedro Carlos Louzada. Misoginia e prostituição feminina medieval: relatório final de pesquisa PIBIC. Goiânia, 2010/2011.

 

FONSECA, Pedro Carlos Louzada. Fontes literárias da difamação e da defesa da mulher na Idade Média: Referências obrigatórias. Goiás, 01 fev. 2012. Disponível em: http://gtestudosmedievais.com.br/index.php/publicacoes/fontes.html. Acesso em: 22 ago. 2020.

 

GEARY, Patrick. Memória. In: LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean-Claude (eds.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Vol. II. São Paulo: EDUSC, 2002, p. 167-181.

 

KLAPISCH-ZUBER, Christiane. Introdução. In: História das Mulheres. A Idade Média. Organizadores: Georges Duby e Michelle Perrot. Porto: Edições Afrontamento, 1992, p. 9-23.

 

KLAPISCH-ZUBER, Christiane. Masculino/feminino. In: LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean-Claude (eds.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Vol. II. São Paulo: EDUSC, 2002, p. 137-150.

 

MACEDO, José Rivair. A mulher na Idade Média. Repensando a História. São Paulo: Contexto, 2002.

 

MARTÍNEZ, Nicolás Sáez. Andrés el Capellán (siglo XII) y el juego del Amor. Mirabilia: electronic journal of antiquity and middle ages, [en línea], 2019, n.º 28, p. 148-54, https://www.raco.cat/index.php/Mirabilia/article/view/359644 [Consulta: 23-11-2020].

 

NASCIMENTO, Maria Filomena Dias. Ser Mulher na Idade Média. Textos de História, v.5, n.1, p. 82-91, 1997.

 

PERNOUD, Régine. A mulher no tempo das catedrais. Tradução: Miguel Rodrigues. Lisboa: Gradiva, 1984.

 

SCOTT, J. História das Mulheres. In: Peter Burke. (Org.). A Escrita da História: Novas Perspectivas. Trad.: Magda Lopes. São Paulo: Unesp, 1992, p. 63-95.


7 comentários:

  1. Parabéns pelo texto! Ótimo objeto de pesquisa! É notório ao decorrer do texto a subalternização dos grupos marginalizados, assim como o amor sendo algo exclusivo dos nobres. Assim sendo, também compreendemos a visão masculina sobre esse contexto histórico e sobre o feminino, carregado de misoginia. Além de culpabilizar essas mulheres quando os homens as procuravam, nesse sentido, ao logo da sua pesquisa, é possível identificar como esses homens que procuravam essas mulheres marginalizadas, principalmente as prostitutas, eram vistos pela sociedade? Ou apenas elas eram julgadas?
    Maristela Rodrigues Lima

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    1. Caríssima Maristela, agradeço por sua excelente consideração. A partir dela é possível enfatizar que os homens também eram criticados por Capelão. Apesar de que os grupos sociais femininos marginalizados eram amplamente alvos de críticas negativas. De acordo com ele, os homens que apresentavam demasiada paixão não se satisfaziam somente com uma mulher, mas desejavam outras para se deleitar com prazeres sexuais, sendo caracterizados como cães libidinosos e asnos que são guiados pelo instinto (CAPELÃO, 2000, p. 15-19). Mas se um homem nobre fosse encontrado com uma cortesã de baixa estirpe, somente seria considerado desmerecedor do amor de uma mulher nobre se este estivesse assiduamente na companhia de muitas dessas mulheres. Isso seria designado como libertinagem descomedida (CAPELÃO, 2000, p. 225). Assim, o homem poderia usufruir dos prazeres da carne, sem ferir o pudor, não se envolvendo demasiadamente com as mulheres cortesãs. Capelão destacou que o homem que se ligasse a uma cortesã não merecia usufruir das prerrogativas do amor. A condessa Maria de Champagne divulgou esse ponto de vista, com o intuito de apresentar a inferioridade de quem buscava as mulheres que atuavam nos lupanares e nas ruas das cidades medievais (CAPELÃO, 2000, p. 177-232). Espero ter respondido sua questão.

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  2. Parabéns pelo trabalho, Juliana. Excelente abordagem sobre o Tratado do Amor Cortês, acredito que seja uma fonte excelente para ser abordada em diferentes perspectivas. Ultimamente tem sido a minha fonte principal para se trabalhar aspectos do próprio feudalismo, desvinculando a explicação sobre este tema de abordagens tradicionais.

    Em relação às mulheres marginalizadas, a minha pergunta é: Capelão destaca alguma espécie de relação de poder exercido pelas mesmas? E as relações entre homens e estas mulheres, como é representada na fonte?

    Luciano José Vianna

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    1. Prezado Luciano José Vianna, agradeço pelas considerações e concordo plenamente com elas. De fato, o autor trata das relações de poder entre as mulheres presentes no Tratado do Amor Cortês, principalmente no que diz respeito às relações entre as mulheres marginalizadas tratadas no texto e as mulheres burguesas e nobres. Vejamos, a relação de poder exercida pelas nobres em relação às camponesas, pois a nobreza precisava do trabalho realizado por elas. Ainda, segundo Capelão, as mulheres nobres e burguesas são caracterizadas como virtuosas e corretas, as quais se dedicavam a encontrar um amante de conduta excepcional. Elas não exageravam nos enfeites e na indumentária, pois eram as cortesãs e as prostitutas que consideravam a beleza um recurso de atração e, assim, não apresentavam muitas qualidades morais. No que cerne as relações de poder exercidas entre as mulheres marginalizadas, identificamos com clareza no que diz respeito às cortesãs e prostitutas, uma vez que estas viviam nas cortes feudais e inferimos que viviam em condições melhores e de maior influência do que as prostitutas que praticavam o meretrício nas ruas. Além disso, o autor destacou que as mulheres prostitutas e cortesãs exerciam uma relação de poder sobre os homens, que era o poder da sedução. O autor não aprofundou muito sobre as relações de poder entre as marginalizadas, mas realizou em grande abundância comparações entre as nobres e burguesas e as camponesas, prostitutas e cortesãs.
      No que diz respeito a relação delas com os grupos sociais masculinos, como nobres e burgueses, percebemos que André Capelão precisou alertar Gautier para que ele não se deixasse seduzir por mulheres que frequentavam lugares de prazer (CAPELÃO, 2000, p. 15-19). Para tal fim, Capelão instruiu-o a reconhecer as mulheres cortesãs e prostitutas. essas mulheres deveriam ser identificadas a partir da utilização de vestimentas específicas e enfeites exagerados (CAPELÃO, 2000, p. 18-19). O autor enfatizou, ainda, que os sucessores dos primeiros nobres virtuosos se corromperam, pois buscavam a beleza vã das meretrizes. Verificamos a influência negativa, de acordo com Capelão, que as prostitutas e cortesãs tinham sobre os homens desse Tratado. O homem de pequena e alta nobreza deveria, portanto, renunciar, recusar e desdenhar delas. Como defendeu Capelão: “O amor arruina-lhes a reputação, e quem é sensato vê como vis cortesãs aquelas que a ele se dão, tratando-as com o máximo desprezo” (CAPELÃO, 2000, p. 277).

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  3. Caríssima autora,

    Parabéns pelo texto. O amor cortês, como coloca Capelão, é aquele nobre entre pares. Assim, eu gostaria de saber alguns motivos pelos quais havia, dentro da obra, a incompatibilidade entre pessoas de camadas sociais diferente se relacionarem. Outra dúvida é se havia algum tipo de repreensão entre pessoas de classes sociais distintas que porventura mantivessem relacionamento diferente do amor cortês? Por fim, o autor condena o amor não cortês sob a ótica religiosa?

    José Carlos da Silva Ferreira

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    1. Caríssimo José Carlos, obrigada por seus questionamentos. Primeiramente, o amor cortês era impossível entre condições sociais distintas, pois ele era voltado para o mundo nobre. Tanto que era impossível o amor entre um burguês e uma mulher da nobreza. Digamos que os nobres não concordavam com o modo de vida da burguesia, como por exemplo, a realização do comércio. O amor cortês foi resultado do sistema feudo-vassálico, que envolveu o mundo aristocrático (BARROS, 2011, p. 208). Dessa forma, o amor somente era possível entre homens e mulheres de condições iguais. Podemos observar também, dois pontos interessantes a respeito da possibilidade e da impossibilidade do amor cortês, que era o fato da mulher ser casada ou ela estar com outro homem. Comumente, o trovador era o enamorado da esposa de um senhor feudal, constituindo uma vassalagem ilegítima. Nesse caso, visualizamos os personagens que constituíam o amor cortês: o amor dedicado; a dama idealizada e inacessível; o marido desconfiado; e os indivíduos que denunciavam a paixão ilícita (BARROS, 2011, p. 195-196). Sobre a repreensão, o fato é que Capelão condenava o amor cortês pela perspectiva do amor misto, ou seja, em que os homens e as mulheres tivessem relações carnais. Mas ele defendeu com veemência as relações conjugais, mas não em uma perspectiva do amor. Segundo ele, o amor não era possível no matrimônio, somente no amor cortês. E porque ele defendeu o casamento? No século XII, muitos dos jovens cavaleiros eram celibatários para impedir o nascimento de herdeiros legítimos e, assim, evitar a separação dos bens familiares. Isso provocou conflitos na sociedade cortês, pois nas famílias, os rapazes mais velhos, diferentes dos mais novos, eram casados (DUBY, 2013, p. 246). A ação principal deles consistiu na sedução de mulheres nobres, embora fosse mais fácil “[...] libertar o seu ardor junto das prostitutas, [...] ou dessas camponesas que violentavam ao passar” (DUBY, 1993, p. 341). A insatisfação dos cavaleiros nobres provocava violações contra as mulheres de alta linhagem, por esse motivo, a Igreja passou a admitir a prostituição e, começou a se preocupar com a consagração do matrimônio. Espero ter respondido suas questões.

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